/ Cometi atos de preconceito e discriminação, e agora?

nov 12, 2019
Cometi atos de preconceito e discriminação, e agora?

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Trabalho com assuntos de diversidade e inclusão há pelo menos 25 anos. Fundei o primeiro grupo LGBTQ – nessa época ainda não havia consciência das pautas sobre intersexualidade – que foi oficialmente reconhecido por uma univerdade na Colômbia. Lutei para que as perspectivas de raça, etnia, gênero e das populações trans não fossem deixadas de lado nas nossas ações e discussões. A partir de então, cresci na conscientização e sensibilização de outras pautas como capacitismo, xenofobia, gordofobia e tantas outras categorias que, nós, seres humanos, inventamos para separar, excluir e ignorar. Mais recentemente fundei, junto com sete mulheres incríveis, a consultoria Integra Diversidade e Inclusão para trabalhar estes temas nas empresas.

Apesar do trabalho permanente e intenso, já cometi atos de racismo, homofobia, machismo, transfobia, etc, etc. Às vezes me dei conta na hora e tive tempo de me desculpar, de tentar reverter o dano mas muitas outras vezes foram dias, meses ou anos depois que percebi o que tinha feito. Uma coisa houve em comum nessas experiências: tive a sorte de aprender através do diálogo, da escuta e observação sinceras, da consciência implacável perante as minhas falhas e privilégios, mas, sobretudo, da generosidade das pessoas que cruzaram meu caminho.

E ao que vem isso tudo? Bom, porque através das vivências profissionais e sociais atualmente vejo uma polarização tão acirrada que qualquer tema virou um vale-tudo com tribunais e condenas entre grupos opostos e inimigos. Vejo um grande número de pessoas que prefere nem abrir a boca, expor as suas dúvidas, confrontar suas idéias preconcebidas para não virar alvo de execução em praça pública. E o que conseguimos virando juízes implacáveis e irredutíveis de outrem? Conseguimos virar uma sociedade permanentemente à defensiva, ao ataque ou em fuga. E nesse campo de batalha o que menos se tem é tempo e energia para o mais importante: a autorreflexão, a autoavaliação, o reconhecimento de privilégios e de que todas e todos precisamos mudar. O tempo todo.

Para uma grande parcela das sociedades, empatia e aprender a virar a página viraram bordões vazios, pois não achamos tempo nem oportunidades para praticá-los, de tão desgastante que é atacar, defender ou correr. O conceito de justiça punitiva está eclipsando as possibilidades de conciliação, restauração e compensação, mecanismos pelos quais poderíamos construir sociedades mais fortes, acolhedoras e prósperas.

Se, após 1994, um país de 7 milhões de habitantes que dizimou 800 mil pessoas em três meses, em um genocídio entre etnias irmãs, conseguiu estabelecer mecanismos de resolução pacífica de conflitos efetivo e duradouros, nós também devemos conseguir. Esse país é Ruanda e é um exemplo para o mundo de que é possível, sim, conviver de forma saudável entre si e com o entorno. Uma vez as disparidades, as injustiças e os mecanismos que as sustentam são reconhecidos, e nos reconhecemos não só como vítimas, mas também como elementos vitimizadores, aí, poderemos partir para outras formas de nos relacionarmos com mais respeito e justiça

Uma vez reconheçamos que, de alguma forma, nós somos, ou já fomos, como aquelas pessoas  do outro lado, o “inimigo”, começaremos a enxergar como e por onde construir pontes. Quando lembrarmos que por baixo das armaduras e atrás dos escudos todas as pessoas precisam de respeito, acolhimento, oportunidades dignas, formas de prosperar sem destruir o entorno, aí poderemos realmente virar sociedades fortes e saudáveis.

Fica aqui o meu compromisso pessoal e o nosso compromisso institucional em honrar as oportunidades de aprendizado generoso para revertê-lo em trabalho incansável na construção dessa sociedade não ideal, mas possível.

Keyllen Nieto. Consultora Sênior da Integra Diversidade

Para conhecer mais sobre o caso da Ruanda veja o link: https://arte.estadao.com.br/internacional/ruanda/25-anos-depois/