/ Angela Davis e as mulheres negras no Brasil

out 25, 2019
Angela Davis e as mulheres negras no Brasil

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Angela Davis entrou em cena e eu não pude mais ver. Só sentir e ouvir. Tinha muita luz ali. Tinha uma luz ancestral que, ao mesmo tempo que me cegava, me fazia enxergar que aquelas palavras me pertenciam. A plateia, ainda que com muitas pessoas brancas presentes, empreteceu. Ali estávamos todas nós: éramos mulheres negras, cis ou transgênero, artistas, escritoras, atrizes, professoras, sociólogas, médicas, psicólogas, cozinheiras, esportistas, advogadas, estudantes, comerciantes… não importava. O teatro do Sesc Pinheiros era o mundo, e o mundo era negro.

Estávamos lá para ouvir aquilo que já sabemos, mas que só uma voz tão forte pode fixar em nós: dar poder para que uma mulher negra possa crescer, é promover o crescimento de todos e todas. Isso porque, talvez, na prática, sem utopias, se o poder e os acessos chegarem em nossas mãos, significa que já alcançaram as mãos de todos os outros, afinal, somos a fatia da população mais desfavorecida e invisibilizada (pesquisas apontam que entre as mulheres negras a taxa de desemprego é duas vezes maior do que entre as mulheres brancas, por exemplo). Ou talvez porque, quando temos a chance, nós desenvolvemos as coisas para favorecer a todos. Somos generosas e fortes. Inteligentes e criativas. Somos competentes; o que me remete à Eliane Dias.

Advogada e empresária do grupo de Rap Racionais MCs, um exemplo dessa força e generosidade que a mulher negra tem, Eliane assumiu a posição de empresária do grupo brigando contra ideias machistas de muitos, inclusive do próprio marido, o rapper Mano Brown, mas entrou para colocar ordem onde não havia. Impôs sua visão feminista nos negócios: ousou colocar mulheres para abrir shows do grupo (um grande desafio em um meio tão machista). Além disso, usa sua visibilidade para promover palestras e ações que beneficiam mulheres, principalmente as negras.

Exemplos como os de Eliane ainda são raros no Brasil, já que a sociedade brasileira, estruturada pelo racismo, tem impedido que alcancemos espaços diversos, dentre eles, o mundo do trabalho em condições dignas. Enquanto várias empresas se debatem para buscar a chamada inovação para conquistar cada vez mais mercado, ou até mesmo para fidelizar clientes e parceiros, a solução para isso pode ser muito simples: contratem mulheres negras. Levem essas mulheres para as suas empresas e dêem a elas os cargos de poder, de gestão, de grande importância. Comecem a inovação de dentro. Permitam que essas mulheres coloquem seus talentos de forma criativa e generosa como só elas sabem fazer, pois somos sim, competentes. Competentes o bastante para ouvir de uma ícone mundial, na luta pelos direitos humanos, principalmente da população negra, que nossas lutas são inspiração para ela e para tantas outras e outros ativistas e estudiosos mundo afora. Como poderíamos não nos orgulhar da força de Marielle Franco e da resistência que não nos faz esquecer que ela está sempre PRESENTE!? Como não ter orgulho de Preta Ferreira e sua batalha por liberdade de todas as formas, ou, da antropóloga e intelectual Lelia Gonzalez, citada inúmeras vezes por Angela Davis durante sua palestra?

Angela se orgulha de nossa luta. E ela não se conforma que o Estado e a sociedade brasileira insistam em nos excluir, nos agredir, nos eliminar. Ela veio até aqui para nos dar fôlego para continuarmos na luta pelos acessos a todos os espaços e direitos que desejamos alcançar.

Gabi Costa. Consultora do Eixo Raça e Etnia