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Foto: Mariana Di Stella Piazzolla
Mês passado tivemos movimentos e datas importantes para a diversidade em nosso país. De um lado tivemos a data (20 de junho, Dia do Refugiado) para nos lembrar que migrantes são forçados a sair de seus Estados por perseguição e não podem ou, em virtude do temor, não querem valer-se da proteção em seu país e/ou retornar. Do outro (28 de junho, Dia do Orgulho LGBTI), manifestações em favor da liberdade de gênero que relembram o episódio, em 1969, ocorrido em Nova Iorque, quando houve um levante contra a perseguição de pessoas que frequentavam o bar Stonewall Inn, até hoje um local cujo clientes têm orientação sexual LGBTIQ+, e reagiram a uma série de batidas policiais que eram realizadas ali com frequência.
E o que isso tudo tem a ver?
Que algumas pessoas são perseguidas. Qualquer uma? Não. Só por conta de sua identidade? Não só. Refugiados, por exemplo, são perseguidos por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, nem todos esses elementos são indentitários, mas há um que é menos divulgado, por sua orientação sexual.
E é sobre isso que gostaria enfatizar: como essas relações sociais e identidades são sobrepostas em um mesmo sujeito. E como esse sujeito se apresenta e é inserido no mundo? Uma imagem padrão de um refugiado geralmente nos mostraria uma pessoa que está migrando por pertencer a um grupo étnico, às vezes em países em guerra, e que chega em situação de vulnerabilidade e necessita de nossa ajuda para refazer a vida. Mas como recebemos aqueles que por exemplo migram para poder viver sua orientação sexual?
O relatório “Homofobia de Estado” da Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais,
Trans e Intersexuais, divulgou na sua 13 edição1, que 70 países criminalizam relações consensuais entre pessoas do mesmo sexo. Dentre eles, 33 estão no continente africano.
Imaginando que essas pessoas, para não sofrerem perseguição e serem criminalizadas, migrem para países como o Brasil, Estado onde a união é legalizada. Imaginemos que a maior parte dessas pessoas sejam oriundas de algum país africano, já que 89% dos migrantes que solicitam refúgio no Brasil por perseguição em virtude de sua orientação sexual são africanos, segundo dados do ACNUR, em novembro de 2018. E imaginemos, mais uma vez, que algumas dessas pessoas sejam mulheres, pois no Brasil, entre 2012 e 2016, quase um terço das mulheres lésbicas que solicitaram refúgio por sua orientação sexual vieram de Camarões.
Temos nessa “hipótese” muitas variáveis envolvidas, ao menos, nacionalidade, situação jurídico migratória, gênero, orientação sexual, raça e classe social.
Se essa mulher lésbica, migrante, refugiada de Camarões, sem muitos recursos financeiros e possivelmente negra, chega em nosso país com sua autonomia restrita, e busca uma posição de trabalho para poder sobreviver, como seria seu acesso ao mercado de trabalho com todas essas variáveis sobrepostas, que é o que chamamos de interseccionalidade? E esse nome que usamos nas análises é simplesmente a condição humana desta pessoa, que tem sua vida e suas experiências não compartimentadas como acabamos de fazer, e que tem muitos saberes, muita coragem, que assume riscos, e muitas outras qualidades que geralmente ficam em segundo plano porque nossa sociedade, apesar de não criminalizar, tem outros meios para excluir as diferenças.
Como sua empresa faz a seleção e recrutamento para eliminar avaliações que levam em conta essas variáveis que discriminam e não enxergam as possibilidadesde crescimento que a empresa pode ter com a diversidade?
1Notícia “Relação homossexual é crime em 70 países, mostra relatório mundial” divulgada no jornal Folha de São Paulo, em 20/03/2019.
Mariana Di Stella Piazzolla, consultora do Eixo Gênero.