Por Maite Schneider e Camila Couto, Consultoras de I&D.
Projeto Womem Will do Google 2020 – segunda turma com 200 mulheres trans de 17 a 60 anos, binarias e nao binarias e diversas etnias, com a Transempregos e Rede da Mulher Empreendedora como co-realizadoras.
Talvez o mais próximo da liberdade que consigamos chegar, de fato, seja escolher em qual prisão desejamos ficar.
São muitas as regras normativas, de condutas, códigos e tipificações. Para onde se olha, para onde se vá, lá estão elas a nos guiar. Na verdade, não – a nos moldar. A dizer o que podemos fazer, sentir, falar, ser e querer. Ou nos impedindo de qualquer uma destas ações.
Durante muito tempo em minha vida, ser uma pessoa trans foi sinônimo de ser suja, pecadora, maldita e indigna, tanto que tentei o suicídio por 2 vezes, ainda criança (com 14 e 16 anos de idade) – fato comum na vida de muitas pessoas trans que tentam ousar a liberdade de ser quem são. E ainda expressar.
Neste dia da VISIBILIDADE TRANS, gostaria de trazer 5 reflexões para que possamos comemorar não somente hoje, mas para que ampliemos nossas visões para além das questões identitárias.
Juntei-me com minhas amigas da Integra Diversidade, consultoria especializada em Inclusão e Diversidade e da qual faço, constituída somente por mulheres e que trabalha com quatro eixos principais (gênero/imigração e refúgio/raça e etnia/LGBTI+) e propus uma força-tarefa: “Vamos nos unir nesta data especial, onde em 2004, foi quando pela primeira vez na história do Brasil, travestis e transexuais estiveram no Congresso Nacional para falar aos parlamentares brasileiros sobre a realidade dessa população e fazermos textos focando neste tema e na transversalidade dele com cada um dos nossos eixos?”
O desafio foi aceito imediatamente e o resultado são estas 4 Libertações Reflexivas da TRANSrevolução, das quais começo pelo meu eixo de LGBT+ e, a seguir, um extrato das três publicações anteriores que completam este especial.
4ª REFLEXÃO: Identidade de Gênero X Orientação Afetivo-Sexual
Falamos muito na sigla LGBT, mas esquecemos que LGB (lésbicas, gays e bissexuais) refere-se à questão de orientação afetiva-sexual e o T (transgêneros) refere-se à identidade de gênero. Além de criar uma série de confusões, parece mostrar uma união e inclusão que muitas vezes não é tão verdadeira assim.
Vejo com muita frequência, empresas falando que contratam pessoas LGBT, e quando vou olhar quem são, na grande maioria são: homens gays cisgêneros brancos e não afeminados. Pouquíssimos fogem disto e raríssimos os casos em que vemos profissionais trans.
Temos que começar a contar, de verdade, e mapear se profissionais trans estão entrando nas empresas. Ou paramos de falar que estamos fazendo inclusão LGBT. Pode escolher. Falo disto mais amplamente neste meu artigo – http://casadamaite.com/blog/sem-t-não-há-inclusão-lgbt
Refletir sobre nossas limitações e prisões, quer sejam de vieses ou preconceitos, é o primeiro passo para falarmos em real liberdade. Somente podemos ter uma sociedade livre e forte, quando seus indivíduos assim o forem. Do contrário é utopia, é ilusão.
Como nos ensina Swami Paatra Shankara: “Somos livres para escolher a prisão em que queremos ficar, mas a liberdade também nos dá chaves dessa prisão. Tudo é uma questão de escolha. Somente nós podemos viver nossa vida. Projetar a vida nos outros, com certeza saberá o que é infortúnio. Eles também estão nas prisões que escolheram.”
E para terminar com mais luz e iluminando este dia de Visibilidade Trans, coloco abaixo o maravilhoso artigo de minha amiga e parceira de eixo, Camila Couto, e que traz uma lista incrível de maneiras bem simples de respeito e apoio à causa trans.
Como homossexuais e bissexuais cisgêneros podem ser aliados da causa trans?
Em teoria, o movimento LGBTQI+ deveria ser unido e lutar pelos mesmos direitos. Mas na prática isso nem sempre acontece e, muitas vezes, há várias situações de discriminação vindas até mesmo daqueles que sofrem preconceitos. Neste texto, irei falar um pouco em primeira pessoa, sobre como nós, pessoas cisgêneras homossexuais e bissexuais, podemos cometer transfobias e como podemos nos aliar à causa trans.
Eu pertenço a comunidade LGBTQI+. Pertenço porque sou uma mulher cis que me relaciono com outras mulheres. Pelo fato de seu ser lésbica, elimina qualquer possibilidade de atitudes transfóbicas? Como eu, enquanto lésbica, posso lutar pela causa e direito das pessoas trans? Como em minhas atitudes cotidianas não compactuo com a opressão destas pessoas? Estendo essa pergunta também aos gays e pessoas bissexuais cis, como nós podemos nos colocar a favor da inclusão das pessoas trans nos ambientes que frequentamos?
Já presenciei diversas situações em grupos de pessoas homossexuais e bissexuais cisgêneras, que discriminam muitas travestis e transexuais. Não é porque somos pertencentes a comunidade LGBTQI+ que estamos imunes às transfobias socialmente enraizadas. A maior parte do preconceito é a falta de informações sobre questões de identidade de gênero, além disso, a falta de interesse em querer saber mais e aprender sobre pessoas transexuais e travestis é algo que contribui para discriminação existente dentro do próprio grupo LGBTQI+.
A existência de uma pessoa trans não é entendida pela sociedade LGBTfóbica, machista e patriarcal. Sofrer discriminação dentro da própria comunidade LGBTQI+ torna a vida de uma pessoa trans ainda mais difícil e com oportunidades reduzidas. Pensando nisto, resolvi fazer uma lista com maneiras bem simples de respeito e apoio a causa trans.
1.Trate as pessoas trans da maneira como elas querem ser tratadas, pergunte como a pessoa prefere ser chamada, seu nome e quais pronomes usar. Passe a se referir a ela desta forma.
2.Converse sobre oportunidades de emprego com pessoas trans, pois um dos principais fatos que dificulta a vida destas pessoas é a empregabilidade. A barreira para inserção ao mercado de trabalho formal é muito grande, fato que corrobora para que 90% das mulheres trans no Brasil recorram à prostituição. Por isso, divulgue vagas e iniciativas focadas em inserção de pessoas transgêneras e travestis no mercado de trabalho.
3. Sempre que tiver oportunidade, indique e contrate pessoas trans para trabalhos. Existem muitas pessoas trans capacitadas e criativas no mercado, deixar os espaços laborais mais diversos, trazem inúmero benefícios para as organizações.
4. Eduque-se sobre questões de identidade de gênero. Lembre-se que orientação sexual é a atração, desejo ou ligação afetiva que se sente por outra pessoa e identidade de gênero se refere ao gênero com que a pessoa se identifica. O conhecimento nos aproxima das causas.
5. Eduque quem está em sua volta, não deixe que uma atitude ou comentário transfóbico passe imune pelos lugares que frequenta, em sua casa, trabalho ou grupo de amigos.
6. Apoie iniciativas em prol das pessoas trans. Existem diversas ONGs e entidades que desenvolvem trabalhos de inclusão e formação de pessoas trans e você pode ser um aliado atuando de maneira voluntária, ajudando financeiramente ou divulgando estas iniciativas!
A seguir, o restante das reflexões já publicadas minhas parceiras e que completam o nosso especial 2020:
1ª REFLEXÃO: Identidade de Gênero X Gênero
“Quando se fala em transexualidade imediatamente o senso comum pensa em mulheres trans e travestis. Dificilmente se fala em homens trans. É como se nós não existíssemos. Cresceu a barbinha, pronto! Torna-se invisível fisicamente porque ninguém questiona uma barba. O menino pode ser pequeno, fragilzinho, ter rosto delicado, mas… tem barba: é homem.” Leo Moreira Sá. Ator de teatro, cinema e TV. Homem trans.
Falar de gênero de modo profundo, requer que falemos sobre outros modelos de masculinidades.
O que acontece quando um homem trans é contratado por uma empresa? Geralmente tudo corre bem – caso tiver realizado a mudança na documentação e não falar da sua transexualidade. Um problema prático vem na hora, por exemplo, de fazer o plano de saúde. “O homem trans é um homem com algumas necessidades específicas como: precisar ir à/ao ginecologista, ter acesso aos direitos reprodutivos se ele quiser engravidar, acompanhamento endocrinológico… Se a gente não fizer mudanças estruturais nos ambientes profissionais, escolares e também nos múltiplos ambientes sociais, a gente não vai conseguir fazer com que esse homem trans seja visível”, completa o Luiz Fernando. Como o Tryanda Verenna destacou: “os planos de saúde mais engajados ainda operam na base da ‘gambiarra’ para conseguir dar atendimento digno às pessoas trans. Precisa que as empresas contratantes e as provedoras de serviços de saúde operem com mais informações, como acontece de forma muito melhor no setor de saúde pública”. Veja este texto completo e também saiba o que é passabilidade em https://integradiversidade.com.br/2020/01/24/homens-trans-quem-sao-eles-e-por-que-devemos-conhece-los/
2ª REFLEXÃO: Identidade de Gênero X Migração/Refúgio
Imagine você fugir de um país onde ter sua identidade de gênero exposta é sinônimo de ter sua morte decretada por lei e chegar em outro país que não respeita e tem politicas inclusivas reais para migrantes e refugiados. Triste realidade encontrada por milhares de pessoas, infelizmente.
São inúmeras as dificuldades que as pessoas trans enfrentam na travessia do fluxos migratórios. Uma imigrante trans deve driblar duas vezes a violência. Primeiro, quando se enfrenta aos perigos inerentes impostos ao atravessar as fronteiras, e segundo, quando se depara com as violências onipresentes contra a própria população trans. A superposição de vulnerabilidades que as pessoas em deslocamento forçado sofrem junto com o fato de ser pessoa trans resulta em humilhações de toda ordem. Quando não é assassinada, é exposta à violência física, sexual e psicológica. O que podemos fazer? Se quiser aprofundar-se nesta reflexão peço que siga até https://integradiversidade.com.br/2020/01/28/transito-livre/
3ª REFLEXÃO: Identidade de Gênero X Raça/Etnia
Hoje em dia, na Transempregos, não encontro muita dificuldade em inserir um profissional transgênero que tenha passabilidade, seja branco e esteja, mesmo que iniciando, uma graduação qualquer, em uma das mais de 400 empresas parceiras que possuímos relacionamento.
Mas se às qualidades acima mencionadas, eu trocar a característica branca por negra, eu encontro um aumento de dificuldade de mais de 70% de conseguir fazer a inclusão em alguma oportunidade de trabalho.
Se a pessoa além de transexual for negra, a situação fica ainda mais difícil. Creio que são exatamente estes obstáculos que a própria sociedade coloca, que fazem com que as pessoas trans negras sejam cada vez mais criativas. Existir em um corpo político, ou seja, um corpo que só por sua presença já traz variadas leituras possíveis de resistência e vitória, faz da criatividade uma questão de sobrevivência.
Exemplos reais do que digo são os Movimentos Black Money e Ballroom (sobre este último confira mais em https://integradiversidade.com.br/2020/01/28/a-cor-da-visibilidade-trans-no-mercado-de-trabalho/)
A luta trans é uma luta de todas, todos e todes!